Entrevista com Márcio Cerqueira
· Você é figurante a quanto tempo?
Eu comecei a fazer figuração de formação em 1999 e me tornei
figurante de provas de adestramento em 2002. Hoje sou figurante e juiz
internacional de provas de trabalho.
Nos bastidores do schutzhund aqui no Brasil rola seu nome
como um dos mais cotados entre os figurantes de prova. Como se sente por isso?
Tranquilo. Acho estranho as pessoas acharem que eu já nasci
pronto para isto, muito pelo contrário eu fiquei bom porque me dedico muito.
Acredito que tenha esta fama por ter figurado para vários cães no Brasil com
resultados expressivos em competições importantes.
Como você avalia o que tem no cão e o que ainda falta?
Na realidade, primeiro eu avalio o conhecimento que a pessoa
trás e como ela lida com este conhecimento. Após isto eu avalio se o cão tem
como dar o que ela deseja ou não. Outro ponto de avaliação é criar pequenas
“distrações calculadas” durante o treino para poder ver o quanto o cão esta
maduro para aquele trabalho e com isto ajustar ou manter o treinamento.
Você segue uma rotina de treino, uma metodologia?
Sim, hoje eu sigo a minha metodologia, porém o tempo todo
você esta aprendendo, tanto com os cães, quanto com as pessoas envolvidas em
treinamento, sendo assim, eu não tenho só um sistema de treinamento.
Você prefere formar um cão ou trabalhar em uma prova? Por
quê?
Testar cães na seção de proteção é uma benção. Só estando na
situação para poder sentir a emoção do trabalho. Na minha concepção só se sabe
fazer isto 100%, quando se treina cães e os prepara para competições. É na
batalha do dia a dia, tendo sucesso no treinamento ou não, é que vamos aprender
a diferenciar um bom trabalho. Também não acredito em figurantes ou juízes que
não treinam cães. Todos os cães que eu
tive para esporte são treinados por mim, desde a sua base até a competição.
Respeito quem compra cães prontos, mas como eu disse, só se aprende, fazendo e
sofrendo bastante.
Qual a parte mais complicada para um figurante de prova?
Quando o figurante acerta tudo, ele fez um bom trabalho, mas
quando ele erra está no inferno. Eu,
quando estou em uma competição importante, não gosto de ficar conversando com
os competidores. Sempre entro na competição obedecendo às ordens dos juízes e tento
separar o joio do trigo (fazer a diferença). Nos últimos anos algumas pessoas
não gostaram muito disso, porém eu me mantenho firme em meus princípios, ou seja,
se for bom passa se for ruim... vocês já sabem o que acontece...
O que você acha importante num cão de proteção?
O cão de proteção tem que mostrar serviço. Eu gosto de cães
de verdade, mas isto é um gosto pessoal meu. Não gosto de cães que ficam 100%
sobre a doutrina do adestrador. Claro que não quero ver um cão desobedecendo ou
beliscando a luva, mas gosto do cão que deixa aflorar todas as suas emoções
durante o trabalho de proteção. Latir seriamente, morder realmente como se
estivesse para morrer e principalmente mostrar para o figurante que ele será
imobilizado.
Você acredita que o manejo inadequado do condutor pode
comprometer o trabalho de proteção?
Tudo pode comprometer qualquer tipo de trabalho, porém eu
acredito que um manejo errado do figurante pode comprometer todo o trabalho de
um cão, principalmente um cão iniciado num trabalho de proteção incorreto.
Porque escolheu o schutzhund –ipo para ser figurante?
Por vários motivos: é o único esporte que tem provas frequentes.
Não existe nenhum outro esporte que chegue próximo à perfeição do schutzhund. É
um triátlon e todas as seções tem que andar juntas, caso contrario não
funciona. Ajuda demais a minha profissão, tanto para vender cães, para locação
de cães de segurança e para ministrar cursos e seminários.
Você preparou um cão recente que se apresentou no mundial,
como foi esta experiência?
Estar em competições importantes sempre é emocionante. Desde
que comecei minha empreitada eu tive a oportunidade de ajudar a preparar vários
cães para participar em mundiais. Em 2007 eu fui para a Eslovaquia participar
da WUSV com o Caio Alexandre, conduzindo o cão Yacko von Cap Arkona. Em 2008 eu
fui para WAVRE participar da FCI com a Priscila conduzindo o cão Zor de Parayas.
Em 2009 eu fui para Krefeld participar da WUSV com a Priscila conduzindo o Zor
de Parayas e com o Caio conduzindo o cão Demon van het Groot Wezenland. Em 2010
eu fui para Sevilha participar da WUSV com a Priscila conduzindo o Zor de
Parayas e em 2011 eu e a Priscila fomos para Ucrânia, aonde obtivemos a melhor
classificação de um brasileiro em competições mundiais com o cão Zor de Parayas,
ficamos em 21 lugar com conceito muito bom, 273 pontos. Observem que em todos
os anos que eu era o figurante dos cães em questão, todos foram aprovados com
conceito bom ou muito bom no trabalho de proteção. Isto me traz uma satisfação
muito grande e é o meu termômetro para saber se estou no caminho certo.
Quais os pontos fortes na preparação de um cão para o
esporte?
Nós precisamos manter o cão no mais alto impulso (motivação),
porém sem perder os controles e a qualidade da mordida. Isto fara toda diferença
no final de tudo. Não adianta perder tempo lapidando exercícios que valem
poucos pontos, você tem que mirar nos exercícios que tem maior valor e
amplitude para os olhos dos juízes. É muito importante também observar a forma
que os figurantes do mundial irão trabalhar. Sempre a organização disponibiliza
vídeos a respeito do trabalho dos figurantes. Desta forma, você pode tentar
copiar um pouco o estilo de cada um para que não tenha surpresas durante a
competição.
Você já figurou para o Cayman, como foi a experiência?
Foi normal. Todo cão bem treinado é bom de figurar, pois ele
não erra. São extremamente técnicos, sabem o que fazer do inicio ao fim do
treino. Mas isto diz respeito ao treinador, pois é ele que forma a base do cão
e o leva até o nível máximo de competição.
Quais seus reais interesses no esporte com cães?
Tornar-me uma pessoa melhor. O esporte, seja ele de qualquer
natureza, molda o caráter das pessoas. Por isto não acredito em pessoas que não
treinam cães, dirigindo quem treina cães. Nós precisamos das emoções e
sentimentos corretos para poder orientar as atitudes corretas.
Qual sua maior e melhor conquista nestes anos todos como
esportista ou figurante?
A maior conquista para mim foi ter feito várias amizades
importantes dentro e fora do esporte. Você não vai a lugar algum sem ter amigos.
Eu costumo dizer que “É melhor você ter amigos do que nome limpo na praça”. Eu
sou chato, brincalhão e às vezes ate inconveniente, porem quem me conhece sabe
que sou amigo para todas as horas e o que mais prezo é minha palavra. Se a der,
você pode contar que eu me lascando ou não, irei cumprir. Isto fez com que eu
chegasse onde estou. Tenho uma mulher adorável e ela me deu uma filha
maravilhosa o que pode ter mais valor do que isto?
Na parte profissional, sem dúvida foi ter sido convidado
para figurar na última Seletiva Holandesa para o mundial da FCI. Isto sela a
minha qualidade como figurante.
Qual a sua crença com relação aos métodos de ensino e
correção?
Todos cresceram demais com relação ao nível técnico após
terem trazido pessoas que treinam a partir de métodos positivos. Porem só isto
não basta. Você precisa de um balanço entre as duas coisas. É neste momento que
tudo se esbarra e começa a ficar difícil, pois o que serve para um cão, não
serve para outro. É engraçado pensar que todos temos um método para corrigir um
cão se ele estiver fazendo algo que não desejamos, porém ninguém tem um método
motivacional para o impedir de fazer, pensem nisto...
Qual foi o seminário ou curso que mais valeu a pena?
Sem sombra de dúvidas o que mais valeu a pena foi o
seminário do Edgar Scherkl. Praticamente
tudo o que o Edgar falou eu já sabia, porém a forma que ele abordou todos os
exercícios do esporte me fez parar para pensar se o que eu faço realmente faz
sentido. Se eu irei encontrar diversão para mim e meu cão dentro do que eu
pratico. Todo seminário nos traz um turbilhão de conhecimento, porém as pessoas
precisam aprender a separar o que fará diferença em seu treinamento. Para mim,
hoje, o que importa é aprender a pensar a respeito do que este ou aquele
sistema pode exercer sobre mim ou meu cão.
Você está promovendo mais um seminário com o Edgar, nos fale
a respeito deste evento.
Estramos trazendo o Edgar pela segunda vez aqui na SVCPA em
São José dos Campos. O Edgar não é somente um campeão no que faz. É uma pessoa que
ensina você a valorizar suas qualidades, mas ao mesmo tempo te ensina a
trabalhar suas dificuldades sem ter que mudar seus métodos. Ele consegue através
de sua metodologia, manter as pessoas como elas são e ao mesmo tempo agregar
valores e técnicas para desenvolver suas dificuldades e promover sua
aprendizagem. Quem tiver a oportunidade de assistir, verá que o investimento será
válido, porém venham com a mente aberta e não cheia de pragmatismos.
Existe uma relação entre o esporte e a criação?
Na realidade, lendo o regulamento veremos que o esporte foi
criado para podermos criar melhor. Porém nós temos um pequeno problema sobre
este prisma. O cão que vence é o melhor cão realmente ou ele é o cão mais bem
treinado pelo seu condutor e equipe. Vamos pegar os cães que vencem competições
aqui no Brasil como exemplo. Qual padreador brasileiro conseguiu colocar cães
de ponta no esporte, ou ate mesmo gerar um cão para que o seu competidor continuasse
nas provas de trabalho com sua linha de sangue? Ouço falar em supercão daqui e
supercão dali, mas não vejo isto na criação de forma geral.
O que é um bom criador?
É aquele que conhece a linha de sangue do cão. Sabe o que
ele passou no passado e tenta acertar o que ele poderá passar para linhas
futuras. Tem mente aberta para saber que nem sempre tudo dá certo.
Como você escolheria um filhote?
Pra mim um bom filhote é loteria. Você escolhe um filhotinho
com impulsos ótimos, porém o tempo passa e após sete ou oito meses ele não é
mais o mesmo. O que fazer? Trocar o cão, meter o pau no criador ou comprar
outro? O que acontece realmente no mundo normal é que existem pessoas
especialistas no esporte (nascem com DOM). Se os cães tiverem o mínimo de
impulsos necessários, sempre que cair nas mãos destas pessoas, eles serão campeões.
Qual seu ponto de vista da relação entre a educação do cão e
confiança com o dono?
Não existe relacionamento sem confiança. Você nunca
conseguira mentir para um cão, para uma pessoa talvez, mas para um cão nunca. A
confiança nasce através de nossas atitudes, ou seja, sermos justos e corretos
em nossos atos. Desta forma vamos moldando o caráter de nossos cães.
Hoje existem muitos métodos para ensinar o cão a revistar e
latir no biombo, qual o mais adequado em sua opinião?
O biombo é um local sagrado, pois o cão não pode tocar na
luva e não pode perder sua guarda. Ele também precisara manter este
comportamento toda vez que ouvir o comando de largar, sendo assim é melhor
começar a treinar o late e revista, fora do biombo e depois acrescentar o
biombo ao treino. Em alguns casos eu começo o late e revista com o cão preso a
arvore com um peitoral e o seu condutor com a guia presa em seu colar de garra.
Em outros casos o condutor fica com duas guias nas mãos, uma no colar liso
travado e outra no colar de garras. Também costumo trabalhar alguns cães na
mesa. Tudo irá depender do tipo de cão que temos em questão.
Você acredita que alguns métodos de trabalho podem
prejudicar a motivação e a concentração no trabalho?
Totalmente. Eu já ouvi e vi de tudo, mas o que mais me
impressiona é ver pessoas que nunca treinaram um cão para o esporte, dando
dicas para quem esta começando ou para quem já esta no esporte, isto é de
lascar a alma. Mas pior ainda são as pessoas darem ouvidos a estas pessoas.
Como manter o equilíbrio entre a motivação e concentração?
Bem complicado. As pessoas confundem um cão agitado com
motivado. Eu assisto vários treinamentos onde os donos acham que seu cão esta
extremamente motivado, mas na realidade o cão esta é agitado com a situação, e
sabemos que cão agitado não presta atenção no objetivo e a concentração vai por
água a baixo. Todo trabalho que executo eu presto atenção na motivação que o cão
esta apresentando e ao mesmo tempo se a estimulação que estou usando não o esta
atrapalhando a desenvolver sua concentração. Isto tem que ser medido treino a
treino, pois nem sempre seu cão esta num bom dia de treinamento. Também não
acredito em cães que sempre treinam no 100%. Você precisa aprender a aceitar
seu cão entre 80% e 90%, pois nem os atletas de mais alta performance conseguem
manter-se nos 100% durante todo ano. Então é normal aceitar pequenos erros para
não estressar seu cão.
Como você define um bom Cão para o esporte e sua relação com
a mordida de boca cheia?
Morder de boca cheia é genético. Seu cão nasce com esta
característica, daí a importância da boa criação. Para mim, uma pessoa que tem
um cão que não mantém a mordida esta em sérios riscos tanto na proteção quanto
na obediência. Ou troca de cão ou aprende a conviver com o conceito BOM.
Qual o conselho você pode dar aos jovens que estão iniciando
no esporte?
Seguir pessoas que estão engajadas no esporte,
principalmente se esta pessoa tiver resultados concretos com seus cães.
Resultados concretos são os que você alcançou com seus erros e acertos.
Como você acredita que será o futuro do esporte no Brasil?
Eu vejo que os treinadores por hobbies estão aumentando, porém
os figurantes de formação e de prova não estão aparecendo. Sempre são as mesmas
caras. Também vejo um pouco de endeusamento por parte de seguidores, políticos
de plantão e clubes. Isto não é bom para o esporte e nem para as pessoas. As
pessoas dentro do esporte deveriam poder treinar aonde quisessem. Mas não é
isto que acontece em muitos lugares que eu já visitei ou treinei.
O que você nunca faria com um cão?
Treiná-lo para algo que ele não tem aptidões para executar.
Todo treinamento neste sentido vai direto ao forçamento e eu tento abolir isto
de todas as formas.
Quem quiser fazer um curso de figuração contigo, como deve proceder?
Sempre temos turmas realizando cursos. Mas o interessado
pode nos encontrar através dos sites: www.marciocerqueira.com
ou www.canilvaledoitaim.com.br.
Obrigado Márcio por esta entrevista
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